Vários jogos em 90 minutos — o Grêmio de tantas histórias

João Campos Lima
5 min readApr 25, 2024

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Foto: Alejandro Pagni

A derrota na Arena por 2 a 0 contra o Huachipato foi um balde de água fria que tirou todo o clima de alegria que a conquista do heptacampeonato estadual havia proporcionado. O drama estava instalado na Copa Libertadores, pois o Grêmio iniciou a competição com duas derrotas — perdeu o primeiro jogo por 2 a 0 contra o The Strongest, na Bolívia.

Para aumentar a crise, o Grêmio estreou com derrota por 2 a 1 contra o Vasco pelo Brasileiro, em São Januário, onde quase nunca vence.

Time não vazado há três jogos

Desde o jogo contra o Athletico-PR, porém, as coisas parecem ter voltado ao rumo certo no Grêmio. O futebol é maravilhoso por isso, não há certezas definitivas, e teses consolidadas vão para o ralo de um jogo para o outro.

Eu te entendo, Renato, deve ser complicado trabalhar para milhões de torcedores e ver tantas críticas (algumas com e outras sem sentido). Nos últimos três confrontos, com três escalações diferentes, com ajustes no sistema defensivo, o Tricolor deu um salto de qualidade considerável, e passou a ser competitivo — e esta crítica era justa, pois o time “caminhou” em alguns jogos, sendo presa fácil para times de qualidade questionável. Em detalhes, as escalações do Grêmio nos últimos três jogos:

Grêmio 2x0 Athletico-PR — Marchesin; Fábio, Gustavo Martins, Geromel e Cuiabano; Dodi, Villasanti, Pavón e Soteldo; Cristaldo e JP Galvão

Grêmio 1x0 Cuiabá — Marchesin; João Pedro, Rodrigo Ely, Gustavo Martins e José Guilherme; Villasanti, Du Queiroz, Gustavo Nunes e Soteldo; Cristaldo e JP Galvão

Estudiantes 0x1 Grêmio — Marchesin; João Pedro, Geromel, Kannemann e Fábio; Villasanti, Pepê, Galdino e Soteldo; Cristaldo e JP Galvão

São 19 jogadores que foram titulares em três escalações diferentes.

Os milhões de treinadores

O dia 23 de abril foi tenso. Fazer um jogo de vida ou morte justamente no palco de um dos jogos mais emblemáticos da história do Grêmio na Copa Libertadores era o ingrediente especial de uma grande decisão.

No dia anterior, eu revivi em vídeos tudo o que o Tricolor passou na Batalha de La Plata de 1983. A primeira conquista da América teve naquela noite fria de julho traços épicos. Em uma época em que os jogadores eram muito menos “protegidos” pelas transmissões da TV, o Tricolor suportou como pôde a pressão e a violência imposta pelos pincharratas, dentro e fora de campo. O atacante Caio nem retornou do intervalo, pela agressão sofrida.

E foi dos pés do jovem e destemido Renato, com uma belíssima camisa tricolor de manga longa de número 7, que saiu o grande golaço daquele jogo. Com muita impetuosidade, o forte e genial ponteiro gremista deu muita dor de cabeça aos argentinos durante os 90 minutos, no duelo que terminou em empate por 3 a 3 — o Estudiantes conseguiu o empate mesmo com 4 jogadores a menos, que foram expulsos.

Mais de 40 anos depois, Renato mais uma vez teve uma decisão contra o Estudiantes pelo seu Grêmio. Antes do jogo, eram muitas as questões debatidas por todos nós que somos treinadores:

  • Geromel e Kannemann, ou Gustavo Martins merece a titularidade?
  • Pepê terá ritmo para um jogo desses?
  • Dodi merece a titularidade?
  • Gustavo Nunes deve ser o substituto natural de Pavón?
  • JP Galvão? Oremos! Não há outra opção

Entre todos os tópicos debatidos (haviam mais além dos citados acima), em nenhum o nome de Galdino foi sequer mencionado. Uma hora antes do confronto começar, a escalação do meia pegou todos de surpresa.

Confesso que tive um sentimento de balde de água fria ao ver Galdino no 11 inicial. Por mais que entendesse a intenção de Renato, não conseguia concordar em hipótese alguma com a escalação de um jogador que não está bem nesta temporada, que foi titular nos dois primeiros jogos da Libertadores e pouco ou nada contribuiu.

Com uma postura muito aguerrida, o time escolhido fez um primeiro tempo impecável. Geromel estava desarmando até com o ombro deslocado. Galvão, o contestado, disputava como podia, com toda a sua limitação técnica. Galdino, a grande surpresa, deu toda a pausa e sustentação física que o jogo pedia ao Grêmio. Foi muito bem.

A estrela de Renato

Por mais perfeita que tenha sido a escolha de Renato, uma das escolhas do treinador não faz nenhum sentido técnico. Ao lesionar o ombro, Geromel foi substituído pelo temerário Rodrigo Ely. Não há justificativa plausível para que Gustavo Martins não tenha sido a escolha imediata. A pressão aumentou, em alguns lances Ely deixou a torcida com frio na barriga, como sempre, e só a estrela de Renato explica como o time passou ileso.

Além disso, alguns centímetros salvaram o inconfiável Marchesin de ser vilão mais uma vez, depois de um frango sofrido — para sorte tricolor, o impedimento foi corretamente assinalado.

A coragem de Renato

Com a expulsão de Mathias Villasanti, o cenário de jogo controlado se transformou em alguns minutos em tensão. Um empate não eliminaria o Grêmio, mas deixaria a situação delicada.

Pois, com muita coragem, o treinador gremista não abriu mão de colocar os dois talismãs do ataque, Gustavo Nunes e Nathan Fernandes. Em uma belíssima e fatal arrancada, os guris protagonizaram o gol da vitória, no mesmo lado em que Portaluppi fez um dos seus mais belos gols da carreira.

Foto: Lucas Uebel

Vários jogos em 90 minutos

Me chamou a atenção que, mesmo depois de ter encerrado o jogo, muitos torcedores seguiram dizendo que o melhor para o Grêmio seria ter sido escalado com um ou dois dos meninos desde o início. Eu, por exemplo, gostaria de ter visto Dodi.

Porém, não concordo quando a tese fica acima dos fatos. Todas as minhas críticas ao Renato e a Galdino evaporaram, porque a estratégia escolhida deu muito certo.

Escalar os meninos desde o início faria com que o enfrentamento tivesse uma configuração totalmente diferente. Seria melhor? O Tricolor conseguiria vencer? Nunca saberemos. Contudo, ontem mais uma vez ficou explícito o quanto existem várias estratégias dentro de um mesmo jogo. E como Renato as dominou completamente. Controlou o jogo e teve força no momento necessário, colocando os guris na hora certa, para atacar as costas da primeira linha do Estudiantes, com seus atletas já cansados.

Não apenas pelo resultado, mas pela atuação firme e consistente do time, é possível cravar que deu muito certo. Mais uma vez, com protagonismo de Renato. Mais uma vez, numa epopeia com a cara do Grêmio.

Estudiantes 0x1 GFBPA — Notas

Grêmio: Marchesin (5,5); João Pedro (7,0), Geromel (7,0), Kannemann (7,5)e Fábio (7,5); Villasanti (5,5), Pepê (7,0), Galdino (7,5) e Soteldo (6,5); Cristaldo (7,5) e JP Galvão (6,0)

Reservas: Ely (5,5); Nathan Fernandes (8,0 ⚽); Gustavo Nunes (7,5 👟); Dodi (6,0) e Gustavo Martins (6,0)

Renato Portaluppi: 8,0

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João Campos Lima
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Written by João Campos Lima

Jornalista (UFRGS) e escritor, apaixonado por futebol. Brasileiro, natural de São Jerônimo (RS)

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