Mil faces dos brasileiros racionais

João Campos Lima
3 min readDec 2, 2022

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Em novembro, estreou na Netflix o documentário Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo. Com mais de 30 anos de estrada, trata-se de uma das expressões mais potentes da raiz das periferias da maior metrópole do país. Recentemente, o grupo virou tema de leitura obrigatória do vestibular da Unicamp. A voz dos músicos, no final dos Anos 80 e início dos Anos 90, veio como uma bomba numa sociedade em que os pretos da periferia sempre estiveram à margem das possibilidades e tratamento digno.

Porém, as sutis (mas impactantes) transformações que ocorreram ao longo do tempo com o grupo chamam muito a atenção. De início, o público era muito próximo da realidade dos integrantes. Com o passar dos anos, a relação entre os Racionais se transformou, e passos para trás foram dados sabiamente por Mano Brown, quando passou a sentir que o clima dos shows estava violento. Além disso, “os branquinhos” e o pessoal das faculdades passaram a ser fãs do grupo, que foi vendo as suas relações e o país se transformar a cada álbum lançado.

Mais de 30 anos de trajetória se passaram, mas os Racionais seguem movendo multidões, que nada é heterogênea. Não só por ter atingido a classe média e outras camadas da sociedade, mas entre os próprios cidadãos da periferia, que não necessariamente pensam como os integrantes do grupo. Como Neymar, que aparece brevemente no documentário anunciando os Racionais como vencedores em um evento da MTV em 2012. O camisa 10 é fã confesso de Mano Brown, ambos santistas. Assim como Danilo, o discreto lateral que também se recupera de lesão e que fez uma manifestação belíssima, ao apontar para quem ele considera os verdadeiros heróis da nação:

“Os verdadeiros heróis de uma nação, estão nas salas de aulas, educando as próximas gerações, nos hospitais ou ambulâncias salvando vidas, curando doenças, ou nas ruas recolhendo o que nós deixamos.
Estão nos metrôs e ônibus cheios, lotados, dirigindo ou se apertando e já começando o dia ‘ lutando ‘ por um espaço, ali dentro e na vida.
Nós atletas temos ‘ apenas ‘ um dom diferente, uma oportunidade e uma posição privilegiada para influenciar. Sermos heróis da nossa própria jornada, da nossa própria história.
Desse lugar, eu apenas sugiro: Faça tudo colocando todo seu coração, sua alma, sua essência. No mínimo a recompensa será a satisfação de ter se entregado e feito todo o possível. Imponha limites mas não se coloque limites!”

Sabemos bem como Neymar, Danilo e Mano Brown são diferentes como cidadãos. Porém, os três dialogam entre si enquanto brasileiros, seja por terem um passado humilde, pela cor da pele ou por serem santistas. Após a lesão de Neymar, enquanto muitos brasileiros comemoraram, Mano Brown publicamente desejou boa recuperação, bem ao seu modo: “Vai voltar voando e fazer o gol Wakanda” e “Vai fazer o gol Carlos Mariguella”.

Os traços de um Brasil dividido socialmente como talvez nunca antes em sua história estão presentes na Seleção. Por maior que seja a bolha e a distância que os milionários jogadores estão da Seleção, é um bom recorte: de um grupo que segue em frente e se apoia, independente das diferenças. Sim, eu sei que não é tão simples assim de resolver os conflitos da sociedade, mas o brasileiro têm, a cada dia, exemplos de como cair e seguir em frente. Que seja por atitudes racionais.

Uruguai x Gana, mais uma vez

Assim como neste ano, o destino quis colocar mais uma vez o Náutico e os Aflitos no acesso do Grêmio ao Campeonato Brasileiro, Gana aparece mais uma vez em um jogo decisivo do Uruguai em Copa do Mundo. Em 2010, em um dos jogos mais épicos dos Mundiais recentes, a Celeste venceu a equipe africana nos pênaltis, após Suárez colocar a mão na bola no tempo normal e evitar o gol que eliminaria os uruguaios.

Depois do meu país, eu torço pelos vizinhos, a quem nutro muita admiração, pela cultura e mentalidade do seu povo. Nesta sexta-feira, mais uma vez estarei com a Celeste antes do jogo do Brasil, que joga contra Camarões com a tranquilidade de estar classificado. Que Diego Alonso tenha mais sabedoria e escale uma equipe com mais virtudes ofensivas. Que a garra charrua siga viva na Copa do Mundo. Se avançarem, poderemos ter mais um gigantesco Brasil x Uruguai na segunda-feira. Haja coração!

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João Campos Lima
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Written by João Campos Lima

Jornalista (UFRGS) e escritor, apaixonado por futebol. Brasileiro, natural de São Jerônimo (RS)

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