Identidade pela arte do Pombo
A história de superação de Ronaldo teve como capítulo de redenção e glória máxima a Copa do Mundo da Coreia do Sul e Japão, em 2002. Com oito gols na competição, sendo dois na final, o Fenômeno foi protagonista (ao lado de Rivaldo, vale ressaltar) do pentacampeonato mundial do Brasil. Vinte anos se passaram e o “país do futebol” não voltou mais a sorrir numa Copa desde aquele 30 de junho de 2002, quando a alegria foi do Oiapoque ao Chuí com a vitória conquistada em Yokohama.
Os cinco títulos mundiais são um feito único do Brasil nas Copas. A Seleção Brasileira não apenas é a maior vencedora, como conta com a marca do futebol bonito e irreverente. Fomos moldados pela genialidade do maior e melhor jogador de futebol da história, Pelé, presente nos três primeiros títulos. Porém, antes mesmo da primeira conquista, em 1958, o Brasil já contava com o brilho do diamante Leônidas da Silva. Nos primeiros títulos, a subversão absoluta dos dribles de Garrincha, a maestria de Didi, a inteligência tática de Zagallo, tanto como jogador como treinador, além de Djalma, Nilton Santos, Gerson, Clodoaldo, Everaldo, Carlos Alberto, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Zito, Vavá, entre outros craques, moldaram uma história repleta de traços únicos nas três primeiras Copas conquistadas pela camisa canarinho.
Depois dos três títulos em 12 anos (de 1958 a 1970), o Brasil esperou longos 24 anos para voltar ao topo, Nem mesmo a campanha invicta em 1978 ou o timaço de 1982, que encantou o mundo a ponto de ser reverenciado até hoje, foram suficientes para um novo título. Em 1990, jogou melhor que a Argentina, mas sucumbiu à genialidade de Diego Maradona, que driblou todos que vieram pela frente e pifou Caniggia, que acabou com o sonho do tetra. Foi o suficiente para aquele time ser considerado decepcionante, simbolizado pela injusto rótulo de “Era Dunga”. Pesado, não é mesmo? Pois, em 1994, com o brilho da dupla Bebeto e Romário no ataque, mas também com as virtudes de Taffarel, do lateral Branco e do meia Dunga, que teve a redenção nos EUA, o sonhado tetra veio.
Pombo brasileiro
Nos parágrafos anteriores, percorri brevemente a história gloriosa do Brasil nas Copas. Vindo ao presente, notamos o quanto o mundo mudou, como já disse Cleber Machado. Desde o penta, o Brasil sente falta dos seus gênios de outrora, e ainda observa o futebol cada vez mais forte e globalizado. São dois desafios, portanto: a busca por craques que desequilibrem como em décadas anteriores e o desafio de sobressair em um esporte que concede cada vez menos espaço. Se, por um lado, o campo “ficou mais curto” para o jogo, a relação do povo com o time canarinho se distanciou, e se tenta, há 20 anos, reconquistar o casamento entre torcida e time. O fracasso do Quadrado Mágico de 2006, encantador no papel mas decepcionante em desempenho, o apagão na África do Sul, o retumbante 7 a 1 de 2014, que ecoa até hoje, e a derrota após duas falhas defensivas contra a Bélgica, em 2018, são o resumo das quatro últimas competições.
Em 2022, a confiança no hexa está mais forte do que nunca. O time de Tite tem como marca a solidez defensiva. Sofre poucos gols, pelo ótimo sistema defensivo, que conta com a dupla de zaga Marquinhos e Thiago Silva, além do monstruoso Casemiro no meio-campo. Já Neymar, desde 2010, é o grande nome do sistema ofensivo da equipe. Brilhante como os grandes craques da história, é o segundo maior artilheiro do Brasil na história, mas carrega o fardo de não ter vencido ainda uma Copa. Nesta edição, diferente das duas anteriores, conta com um companheiro capaz de dividir o protagonismo no ataque: o jovem desequilibrante Vinícius Jr, que dribla y baila e encanta todos os brasileiros. Porém, não foi nenhum dos dois que brilhou na primeira vitória, por 2 a 0, contra a Sérvia. O nome do jogo foi Richarlison, o Pombo, que não é craque, mas é oportunista. Se a bola sobra, ele guarda, como foi na última quinta-feira. Além disso, é um cidadão engajado, que se posiciona contra as mazelas ambientais e sociais do país — implorou ao povo para se vacinarem contra a Covid-19, por exemplo. “Está nascendo um novo líder”.
Em um país que tenta se reconstruir e buscar a sua identidade de outros tempos, desta vez o herói, até o momento, não foi o craque do time, mas foi o mais admirável e carismático, o ídolo que carecemos há tantos anos. Aquele que batalha, que aproveita as oportunidades, que se coloca ao lado de quem mais necessita fora de campo, solidário como era conhecido o brasileiro em tempos anteriores. Daquele que, quando recebe um caroço, dá um jeito e improvisa, levanta a bola e soluciona tudo com um gesto de capoeira. Cem anos após a Semana da Arte Moderna, o Brasil pode estar reorganizando a sua identidade com a arte do Pombo, o centroavante que merece o amor e esperança do povo.