30/38 O homem que move as massas

João Campos Lima
5 min readSep 16, 2022

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Foto: Richard Dücker

Diante do sofrimento dos últimos séculos da América do Sul, marcados pela exploração europeia e consolidação de estruturas de poder e submissão (por escravidão ou, modernamente, pelas precárias situações de trabalho), os países mantiveram em suas estruturas políticas e sociais o traço colonizador que moldou a sociedade latina desde a chegada dos invasores.

No século XX, as dinâmicas do mundo ocidental foram se alterando. Apesar de alguns traços feudais e de colonialismo permanecerem, principalmente nas regiões exploradas, a Revolução Industrial alterou as dinâmicas econômicas e sociais, especialmente no Ocidente, e o capitalismo e o imperialismo (dominação econômica dos países industrializados sobre países ainda agrários) passaram a preponderar.

Voltemos o foco à América do Sul. Com as novas dinâmicas do mundo ocidental estabelecidas, começou a surgir na política de diversos países da região a figura populista. Getúlio Vargas, no Brasil, Juan Domingo Perón, na Argentina, onde se estabeleceu o peronismo, são dois exemplos concretos do movimento, em que líderes carismáticos e com ligação mais forte com as massas passaram a marcar um novo período na história da América Latina. Mais recentemente, Hugo Chávez, na Venezuela, e Rafael Correa, no Equador. No nosso país, Lula e Bolsonaro, que não por acaso aglutinam quase todas as intenções de voto nas eleições presidenciais de 2022. Sem entrar em julgamento, a constatação é que, independente dos acertos e erros, o que todos esses novos líderes têm em comum é a capacidade de dialogar, com muita facilidade, com todas as camadas da sociedade, movendo multidões de apaixonados.

Treinadores defasados?

Após o 7 a 1, o diagnóstico catastrófico feito no futebol brasileiro é de que o atraso estava imperando e o castelo de areia precisaria ser colocado abaixo. Treinadores consagrados passaram a ser considerados defasados, e a ânsia por um modelo atual e moderno fez surgir uma “onda de estrangeirismo” que permanece até hoje. Entre os profissionais brasileiros, jovens recém surgidos passaram a ganhar chance nos principais clubes. Roger Machado foi um case, entre 2015 e 2016, quando assumiu o Grêmio em início de carreira (havia treinado o Novo Hamburgo e Juventude) e deu uma nova cara ao time, que encantou o país por um tempo. Fernando Diniz, Rogério Ceni, Maurício Barbieri e Jair Ventura são outros exemplos de treinadores que surgiram como novidades nas últimas temporadas no Brasil.

Se, por um lado, nem todos os estrangeiros foram melhores que os brasileiros (vide as experiências de Santos e Vasco da Gama, por exemplo), a abertura do mercado aos gringos possibilitou ao país acompanhar ótimos trabalhos, como o Flamengo de 2019 de Jorge Jesus, o Palmeiras de Abel Ferreira, e o Cruzeiro do Paulo Pezzolano. Da mesma forma, muitos dos novos treinadores brasileiros trouxeram boas contribuições, mas nem todos vingam. E, principalmente, nem todos os treinadores “antigos” ficaram para trás. Faz-se necessário reforçar: respeitem a história de quem tanto trabalhou e contribuiu para o esporte. Felipão, treinador massacrado após o 7 a 1, é finalista da Copa Libertadores 2022 (após a Copa do Mundo de 2014, foi campeão asiático em 2015, treinando na China, e brasileiro, pelo Palmeiras, em 2018). Cuca é o atual campeão brasileiro. Ao mesmo tempo, o próprio Felipão não foi bem no Cruzeiro e no Grêmio, Luxemburgo não conseguiu mais emplacar nenhum grande trabalho. Ou seja, certezas absolutas caem por terra: nem todos os treinadores estrangeiros vão fazer melhor que os nossos, nem todos os novos treinadores vão vingar e nem todos os antigos entregaram menos. O contexto de cada time importa muito.

Na quarta estreia de Renato Portaluppi no comando do Grêmio, a vitória veio em mais uma tarde alegre no sofrido ano de 2022. Com a Arena lotada para acolher o eterno ídolo, o Grêmio conseguiu ter a força mental de virar a partida, com muita imposição física e entrega. Melhor do que o time de Roger? Relativo. Ao meu ver, no empate por 2 a 2 com o líder Cruzeiro, o time teve o mesmo nível de atuação. Porém, diferente daquela vez, contra o Vasco da Gama o time não sofreu gols após a zaga bater cabeça, assim como o goleiro Brenno, que vinha sendo contestado, salvou o time em mais de uma oportunidade. Campaz, logo no início, lesionou-se e precisou ser substituído (a torcida, num gesto lamentável, vaiou o jogador machucado), e a entrada de Thaciano foi decisiva para a vitória. Todo vencedor precisa contar com esses ventos a favor, com o imponderável, com a sorte que deixa todos boquiabertos. A estreia de Renato contou com tudo isso.

Em 2022, Roger reclamou da torcida em mais de uma oportunidade. Sem ter a sensibilidade de compreender a dor de uma torcida machucada pelo rebaixamento e triste pelo desempenho do time, afirmou que as reclamações deixavam os jogadores (que são bem limitados) desconfortáveis. No episódio da briga na arquibancada norte, estigmatizou todo o setor popular do estádio, ao questionar “como um pai leva um filho naquele local?”. Por mais que eu concorde com o primeiro raciocínio de Roger e defenda que a torcida evite vaiar os jogadores enquanto a bola está rolando, sabemos muito bem que o futebol é assim, e querer bater de frente com o torcedor, enquanto o time não convencia, não foi uma atitude inteligente do ex-lateral multicampeão.

Renato Portaluppi, ao chegar, foi recepcionado por uma multidão no aeroporto. No final do jogo contra o Vasco da Gama, fez um gesto já repetido nas passagens anteriores: reuniu os jogadores e saudou a torcida. Nenhuma crítica à torcida, nem no último domingo e em nenhum outro momento das outras passagens. Renato, principal figura do clube que completou 119 anos na quinta-feira, sempre soube conversar com o torcedor. Populista, conta com a paixão da massa de torcedores. O povo tricolor voltou a se sentir acolhido pelo grande líder. Assim como nos parágrafos anteriores sobre o fenômeno do populismo na política, é muito mais uma constatação do que uma opinião. Até porque, bem sabemos, populistas podem conduzir as massas, intencionalmente ou não, do céu ao inferno.

Dois grandes ícones

Por uma feliz coincidência, nasceu no mesmo dia do Grêmio um dos maiores jogadores de sua história. Tarciso, o Flecha Negra, foi o jogador que mais vestiu a camisa tricolor na história (723 jogos), e é o segundo maior artilheiro (226 gols) de todos os tempos — com dados da Gremiopedia. Um dia depois, em 16 de setembro, nasceu outro grande ícone do Grêmio: Lupicínio Rodrigues, autor do hino, cantor e compositor simbólico do brilho da boemia e da expressão artística popular. Eterna admiração por esses dois grandes ícones da história.

Novorizontino x Grêmio

Nesta noite, o Grêmio enfrenta o Novorizontino, fora de casa. A escalação deve ser a seguinte: Brenno; Edilson, Geromel, Bruno Alves e Diogo Barbosa; Lucas Leiva, Villasanti e Thaciano; Biel, Guilherme e Diego Souza.

Em 2005

No trigésimo jogo do Grêmio na Série B de 2005, o Grêmio empatou por 1 a 1 contra a Portuguesa, no Canindé, chegando a 5 pontos de 9 disputados no Quadrangular Final. Restariam mais três jogos.

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João Campos Lima
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Written by João Campos Lima

Jornalista (UFRGS) e escritor, apaixonado por futebol. Brasileiro, natural de São Jerônimo (RS)

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